Hannah Hampton ouviu dos médicos que não deveria jogar futebol. Diagnosticada com uma disfunção ocular severa – um estrabismo que compromete sua percepção de profundidade – ela começou cedo a quebrar expectativas. Hoje, aos 23, a goleira do Chelsea é uma das peças mais importantes do elenco da Inglaterra, que encara a Espanha na grande final da Eurocopa Feminina, neste domingo (27), às 13h.
A jornada de Hampton é tudo menos linear. Começou como atacante, quando se mudou ainda criança com os pais para a Espanha. Lá, foi observada por olheiros do Villarreal, graças a uma indicação do ex-zagueiro argentino Fabio Fuentes. Não demorou para chamar atenção nas categorias de base, primeiro no próprio clube espanhol, depois no Stoke City, quando já estava de volta à Inglaterra. Mas foi apenas aos 16 anos, no Birmingham City, que trocou o ataque pela defesa e virou goleira.
Surge uma goleira
A decisão foi tão estratégica quanto sentimental. A mudança de posição exigiu não só uma reinvenção física e técnica, mas também emocional. Além de aprender uma nova função, Hannah precisou adaptar seus treinos e a forma de enxergar o jogo, literalmente.
“Eu tentava agarrar a bola e ela batia no topo da mão. Quebrei muitos dedos. Tive muitas hemorragias nasais. Chegou uma hora em que eu estava farta”, disse, em entrevista ao iNews. O corpo, como o futebol, também precisou de ajustes.
Ao longo dos anos, passou por várias cirurgias nos olhos. Nenhuma delas corrigiu totalmente o estrabismo. Ainda assim, foi justamente a sua visão particular de jogo e o talento com os pés, herdado dos tempos na linha, que a transformou em um dos nomes mais promissores da posição.
“Ela deu uma assistência nos primeiros 10 minutos de um jogo da sub-19 contra a Suécia. Vencemos por 4 a 0. Poucas goleiras têm essas ferramentas”, recorda Rehanne Skinner, ex-treinadora da base inglesa.
O estilo espanhol também é algo que Hampton carrega como assinatura. Em entrevista à Versus, ela mesma define sua maior virtude como goleira: a distribuição com os pés. “Os jogadores na Espanha usam os dois pés, movimentam-se o tempo todo. Isso me ajudou muito. Não tenho medo de jogar com os pés ou sair da área.”
Hampton teve que amadurecer emocionalmente
Hoje no Chelsea, após passagens por Birmingham City e Aston Villa, Hampton amadureceu, mas as marcas emocionais da adolescência ainda ecoam. A revelação pública da sua condição oftalmológica veio acompanhada de um turbilhão de julgamentos. E ela quase cedeu.
“Era muito nova quando todas essas histórias saíram. Não estava preparada para aquilo. Pensei em desistir”, revelou ao podcast Fozcast, do ex-goleiro Ben Foster.
Quem a viu passar por isso de perto foi a ex-companheira de seleção Ellen White. “Ela era muito emocional, o que é esperado de alguém com 16 anos. Precisava de apoio. Tentei protegê-la. Sempre acreditei que seria uma grande goleira, mas ela precisava de ajuda.”
Hampton não desistiu. E talvez seja justamente esse olhar único, adaptado, persistente, que a fez chegar até aqui. A goleira que cresceu ouvindo que não podia jogar bola agora defende o sonho inglês de levantar mais uma taça continental. Contra a Espanha, neste domingo, Hannah Hampton tem a chance de provar mais uma vez que o impossível é só um ponto de vista.