Os livros sobre a história do Futebol Feminino têm desempenhado um papel fundamental na recuperação de uma narrativa que, por muito tempo, foi invisibilizada. Essas obras não apenas resgatam memórias e personagens esquecidas, mas também revelam o impacto social e cultural das mulheres que desafiaram preconceitos para ocupar seu espaço nos gramados.
Quando se fala em futebol no Brasil, logo vêm à mente imagens de estádios cheios, torcidas vibrantes, gols decisivos e craques consagrados. No entanto, a história do Futebol Feminino demorou muito tempo para aparecer nesse retrato. Essa história, porém, existe — e está acontecendo. É urgente conhecê-la para entender que as “mulheres em campo” não surgiram do nada: elas vieram de décadas de resistência, invisibilidade e reivindicação.
As origens e os primeiros registros
Fontes jornalísticas e estudos históricos mostram que partidas entre mulheres no Brasil já ocorriam nas décadas de 1920 e 1930. Eram eventos tratados como espetáculo, curiosidade ou “atração”.
Em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Natal, há relatos de práticas femininas cercadas por estigmas. As jogadoras eram vistas como “fora do padrão” ou “inadequadas à natureza feminina”.
Esse contexto está bem retratado no estudo “Uma luz sobre a história centenária das mulheres no futebol brasileiro”, da pesquisadora Érika Alfaro de Araújo (Unesp). O trabalho revela como o gênero moldou o olhar sobre o esporte e destaca fontes históricas que permaneceram esquecidas por décadas.
A proibição, a invisibilidade e a luta
Em 1941, o governo de Getúlio Vargas publicou o Decreto-Lei nº 3.199, que, embora não citasse o futebol diretamente, proibia “desportos incompatíveis com as condições da natureza feminina”.
Na prática, o futebol foi incluído nessa categoria. A consequência foi o apagamento de gerações inteiras de jogadoras, que ficaram sem apoio, estrutura ou reconhecimento institucional.
Mesmo após o fim da proibição, os efeitos do preconceito persistiram. A modalidade continuou à margem, resistindo graças à iniciativa e à coragem das próprias mulheres que se recusaram a abandonar o campo.
Reconhecimento institucional e desafios recentes
O reconhecimento oficial do futebol feminino só veio em meados dos anos 1980 — um marco tardio para um esporte que já era praticado havia décadas.
Mais recentemente, clubes e federações passaram a exigir equipes femininas como condição para disputar competições masculinas. Ainda assim, a jornada segue desigual.
A falta de estrutura, investimento, visibilidade e cobertura midiática ainda é um obstáculo diário na busca por equidade real.
Por que a literatura importa
Durante muito tempo, a narrativa do futebol brasileiro foi contada por homens e sobre homens. Isso deixou o futebol feminino duplamente invisível: primeiro na prática, depois na memória.
Por isso, a literatura tem papel essencial. Ela resgata histórias, dá voz a personagens esquecidas e reconstrói o passado sob uma perspectiva mais justa e diversa.
A seguir, apresentamos quatro obras fundamentais para compreender essa trajetória de resistência, paixão e transformação.
As mulheres no universo do futebol brasileiro
Composto por 18 capítulos, o livro é um mergulho profundo em um campo onde paixão, resistência e conhecimento se cruzam. É um presente para quem ama o futebol feminino e um convite para quem deseja entender melhor essa modalidade marcada por conquistas e desafios.
Escrito majoritariamente por pesquisadoras com trajetória acadêmica sólida, reúne vozes da Antropologia, Comunicação, Educação e Psicologia, entre outras áreas. Cada capítulo amplia o olhar sobre o esporte mais popular do país sob um ponto de vista que, por muito tempo, ficou de fora da narrativa oficial.
Futebol Feminista: Ensaios
Em tempos em que o feminismo ainda enfrenta estereótipos e preconceitos, surge uma obra que rompe com clichês e provoca reflexão.
“Futebol Feminista”, de Lu Castro e Darcio Ricca, une dois mundos aparentemente opostos — o futebol e o feminismo — para construir uma das análises mais instigantes sobre gênero, esporte e sociedade.
A jornalista Lu Castro, co-curadora da exposição “Contra-ataque: As mulheres do futebol” (Museu do Futebol, 2019), e o pesquisador Darcio Ricca criam uma narrativa corajosa e inspiradora, que convida o leitor a pensar o futebol para além das quatro linhas.
Lugar de mulher é no futebol: Dulce Rosalina, a primeira líder de torcida
“Dulce Rosalina: A primeira mulher à frente da arquibancada” é um retrato poderoso de pioneirismo e coragem. A obra narra a trajetória da primeira mulher a presidir uma torcida organizada no Brasil, entre as décadas de 1950 e 1970.
Mais do que uma biografia, o livro mostra como Dulce redefiniu o modo de torcer e abriu caminho para outras mulheres ocuparem a arquibancada com orgulho. Além disso, apresenta um panorama sobre o jornalismo esportivo da época, revelando como a mídia refletia (e moldava) o olhar sobre o futebol e o feminino.
Futebol Feminino no Brasil: entre festas, circos e subúrbios, uma história social (1915–1941)
Entre os principais livros sobre a história do futebol feminino, destaca-se a obra Futebol Feminino no Brasil, de Aira Bonfim. A obra é leitura obrigatória para quem deseja entender as raízes do futebol feminino.
Com pesquisa detalhada e linguagem envolvente, Aira reconstrói o início da modalidade no Brasil — das partidas em circos e subúrbios às proibições impostas pelo Estado.
O livro combina rigor acadêmico e emoção, traçando uma linha que conecta o passado esquecido às jogadoras que hoje brilham em gramados do mundo todo.
Mais do que um registro histórico, é uma homenagem às mulheres que nunca deixaram a bola parar.
Por fim, o futebol feminino no Brasil não nasceu com a fama das grandes competições nem com a visibilidade de Marta Vieira da Silva.
Ele vem de muito antes — de décadas de proibição, esquecimento e resistência.
É a história de mulheres que insistiram em jogar mesmo quando não havia torcida, apoio ou troféu. Portanto, é graças a elas que hoje podemos celebrar não apenas o futebol, mas também o direito de todas as mulheres de ocuparem o campo.



