O Futebol Feminino na Austrália vive um dos momentos mais importantes da sua história. O país, que co-sediou a Copa do Mundo de 2023 junto com a Nova Zelândia, consolidou sua posição como uma das principais potências do esporte feminino.
Raízes do futebol no país
Embora o futebol já fosse praticado de forma amadora desde o século 19, ele demorou a ganhar espaço na cultura australiana. Após a Segunda Guerra Mundial, o cenário começou a mudar. Com a Europa devastada, a Austrália recebeu um grande contingente de imigrantes (italianos, portugueses, poloneses, judeus, entre outros) que trouxeram consigo a paixão pelo esporte. Mesmo enfrentando resistência de setores conservadores, essas comunidades ajudaram a plantar as sementes do futebol moderno no país. Dessa forma, foram os povos de outras nações os responsáveis por alavancar o esporte na terra dos cangurus.
A virada dos anos 1970 e origem do nome “Matildas”
O grande ponto de virada veio em 1974, quando a seleção masculina disputou sua primeira Copa do Mundo, na Alemanha. O feito trouxe visibilidade inédita e despertou maior interesse da população. Naquele mesmo ano, o país organizou seu primeiro campeonato feminino, reunindo cinco equipes.
Poucos anos depois, em 1978, surgiu a primeira seleção feminina australiana, convidada para um torneio na China. Em 1982, um episódio curioso marcou a história do futebol australiano: uma canguru gigante chamada Matilda, usada como mascote em uma competição nacional, conquistou o carinho do público.
Anos mais tarde, às vésperas do Mundial de 1995, a emissora australiana SBS lançou uma votação popular para escolher o apelido oficial da seleção feminina. As opções eram: Matildas, Soccertoos, Lorikeets, Waratahs e Blue Flyers.
A vencedora foi Matildas, nome que remete tanto à mascote quanto à personagem da canção folclórica Waltzing Matilda. Assim, virou sinônimo do selecionado delas em todo o país.
Considerada um hino não oficial da Austrália, Waltzing Matilda foi composta em 1895 por Banjo Paterson e narra a história de um viajante que percorre o interior do país com sua “matilda” -termo para mochila carregada nas costas. Desde então, o apelido virou símbolo da seleção e um ícone do futebol feminino australiano.
A partir de 1995, a Austrália passou a estar presente em todas as edições da Copa do Mundo Feminina, consolidando, com isso, sua seleção como uma das mais tradicionais do cenário internacional.
Desafios e reconstrução
O futebol feminino viveu altos e baixos. Em 2004, tanto a liga masculina quanto a feminina foram desfeitas. Sem calendário oficial, as jogadoras organizaram por conta própria um torneio de uma semana, em 2005, para manter a modalidade ativa. Três anos mais tarde, a criação da A-League Women trouxe estabilidade, garantindo, dessa forma, a volta de uma competição estruturada. Hoje, a liga conta com dez equipes e tem como maior vencedora o Melbourne City, dono de quatro títulos.
Curiosamente, a profissionalização do futebol no país também passou por uma transformação de identidade. Durante a fundação da A-League, em 2004, a federação decidiu que os clubes não poderiam carregar referências diretas às comunidades migrantes que os criaram. A ideia era, com isso, criar equipes “neutras” para formar uma identidade mais nacional, deixando os antigos clubes ligados a imigrantes restritos às competições estaduais.
O efeito Matildas
As Matildas são a grande referência do futebol do país. Durante a Copa de 2023 conquistaram recordes históricos, como estádios lotados e milhões de telespectadores. Lideradas por Sam Kerr, atacante do Chelsea e uma das melhores jogadoras do mundo, a equipe já disputou diversas Copas do Mundo e Jogos Olímpicos, chegando a semifinais e atraindo cada vez mais torcedores.
No torneio, a seleção bateu recordes históricos: média de 57,5 mil torcedores por jogo, com estádios praticamente lotados, e um alcance televisivo de mais de 11 milhões de pessoas em partidas decisivas. O jogo contra a Inglaterra, pela semifinal, foi o evento esportivo mais assistido da Austrália desde 2001. Já um amistoso contra a China reuniu 76.798 pessoas no Accor Stadium.
O sucesso da seleção impulsionou também a A-League Women, que registrou públicos inéditos e passou a atrair mais investimentos. O campeonato se consolidou como um celeiro de talentos, revelando jogadoras como Ellie Carpenter (Lyon), Steph Catley (Arsenal) e Mackenzie Arnold (West Ham.
A-League Women: a liga nacional
No cenário de clubes, a A-League Women é a principal competição do país. Criada em 2008, vem se fortalecendo a cada temporada, com mais investimento, estrutura e visibilidade. Ou seja, tem potencial para se tornar maior nos próximos anos.
Em 2019, a Federação Australiana assinou um acordo histórico garantindo, dessa forma, que as seleções masculina e feminina recebam salários e prêmios iguais quando representam o país. Em relação ao torneio nacional, no entanto, ainda há desafios.
Afinal, atualmente a liga enfrenta problemas de marketing, pouca cobertura televisiva em comparação ao masculino e recursos limitados em alguns clubes. Apesar disso, a visibilidade conquistada após a Copa de 2023 criou um “efeito Matildas”, atraindo mais público, patrocínios e interesse da mídia.
A temporada 2024–25 contou com 138 partidas e mais de 216 mil torcedores nos estádios, uma média de 1.583 pessoas por jogo. O maior público da edição foi de 8.582 torcedores, no duelo entre Adelaide United e Central Coast Mariners. Embora os números ainda sejam modestos em comparação com a Europa, representam crescimento expressivo para o futebol feminino australiano.