Em meados da década de 1890, em plena Era Vitoriana, surgiu no Reino Unido um clube que transformaria a história do futebol feminino. O British Ladies’ Football Club (BLFC) foi o primeiro time organizado de futebol feminino sob regras de associação. Seu nascimento representou um marco não apenas esportivo, mas também social e cultural.
Fundação e protagonistas
A criação do BLFC partiu da iniciativa de Nettie J. Honeyball — pseudônimo de uma mulher cuja identidade real permanece incerta, embora existam fortes indícios de que fosse Jessie Mary Ann Allen.
Ao lado dela, Lady Florence Dixie, aristocrata escocesa e ativista feminista, assumiu o cargo de presidente e patrocinadora do clube. Dixie já era envolvida em causas sociais, como os movimentos pelos direitos das mulheres e a reforma do vestuário feminino (rational dress), que buscava libertar as mulheres dos espartilhos e saiotes da sociedade vitoriana. Além disso, ela era irmã de John Douglas, nono Marquês de Queensberry, envolvido no escândalo responsável por levar o escritor Oscar Wilde à prisão, o que ajudou a dar visibilidade para o time.
Outro nome essencial foi Alfred Hewitt Smith, responsável pela parte organizacional e administrativa do projeto.
Formação, estrutura e primeiro jogo
Em 1894, Nettie Honeyball publicou anúncios em jornais convidando mulheres interessadas em jogar futebol. Aproximadamente 30 responderam. Os treinos começaram logo depois, duas vezes por semana, sob a orientação de J. W. Julian, ex-jogador do Tottenham Hotspur.
O primeiro jogo público do BLFC aconteceu em 23 de março de 1895, em Crouch End (Hornsey, norte de Londres). A partida dividiu o elenco em dois times internos — North e South. O resultado final foi 7 a 1 para o North, diante de cerca de 10 mil espectadores. O evento atraiu enorme curiosidade e gerou tanto entusiasmo quanto controvérsias.
Visual, composição e repercussão
As jogadoras vinham, em sua maioria, da classe média inglesa. Havia jovens solteiras e mulheres casadas, unidas pelo desejo de desafiar os padrões da época. O grupo tinha caráter amador, mas pioneiro.
O uniforme chamava atenção: blusas largas, knickerbockers ou saias divididas (divided skirts), botas adequadas para o jogo e, às vezes, bonés ou chapéus. Naquele contexto, o simples ato de vestir roupas esportivas já era um gesto de ousadia, pois ainda existia grande resistência social ao que se considerava “apropriado” para mulheres.
Entre as jogadoras, destacou-se Emma Clarke, reconhecida como uma das primeiras mulheres negras a jogar futebol de forma registrada no Reino Unido.
Duração, desafios e encerramento
O BLFC permaneceu ativo entre 1895 e 1897, período em que realizou excursões pelo interior da Grã-Bretanha e partidas de exibição. Apesar do entusiasmo inicial, o clube enfrentou inúmeros desafios: dificuldades financeiras, resistência institucional, críticas da imprensa e problemas logísticos, como a falta de campos adequados para treinar.
Com o tempo, a frequência das partidas diminuiu. Não há provas de que o clube tenha existido por apenas dois anos, mas é certo que perdeu regularidade e estrutura até encerrar suas atividades.
Legado histórico
Mesmo com vida curta, o BLFC foi fundamental para pavimentar o caminho do futebol feminino. O clube mostrou que mulheres eram capazes de se organizar, atrair público e gerar debates sobre gênero, vestimenta e igualdade.
Além disso, sua iniciativa inspirou o surgimento de outros times, entre eles, o lendário Dick, Kerr’s Ladies, no início do século XX. O BLFC também teve importância simbólica ao desafiar a ideia de que o futebol era um espaço exclusivamente masculino, aproximando o esporte da luta feminista por igualdade de oportunidades.
Influência nos dias atuais
Hoje, o BLFC é constantemente citado em estudos acadêmicos, museus e exposições dedicadas às pioneiras do futebol feminino. Sua história reforça que a busca por reconhecimento no esporte feminino não começou recentemente.
Os grandes campeonatos, estádios cheios e a profissionalização que vemos atualmente são, em parte, consequência da coragem dessas mulheres vitorianas.
Por fim, o clube antecipou discussões que ainda são atuais: igualdade de gênero no esporte, liberdade de vestimenta e representatividade.
O British Ladies’ Football Club não foi apenas uma curiosidade histórica, foi uma revolução em forma de time. Nettie Honeyball, Lady Florence Dixie e suas companheiras demonstraram coragem, ambição e compromisso com um ideal improvável para a época: mulheres jogando futebol, enfrentando preconceitos e abrindo caminho para as gerações seguintes.
Atualmente, vemos um novo modelo de influência na sociedade, mas nunca podemos nos esquecer de que tudo começou com um sonho e a força de mulheres inglesas que driblaram não só em campo como também fora dele.